Arte de Centurión traduz cores da Bahia e a beleza das cenas do cotidiano

 

Casarios coloridos, pisos em pedra portuguesa e a presença constante do mar são referenciais estéticos na obra do artista plástico Sérgio Centurión Centurión, que tem como pano de fundo personagens e paisagens porto-segurenses. Uruguaio de nascimento, tendo adotado o Brasil como sua segunda pátria, Centurión, de 66 anos, morou em Porto Seguro e atualmente faz de Salvador o seu terreno de produções.

Ele se encantou com as cores e a alegria da cidade de Porto Seguro, onde produziu telas que retratam vendedores de água de coco, de camarão e de verduras, além de turistas de todas as nacionalidades, que passeiam por telas coloridas suaves.

Ao Chegar à Bahia, Centurión buscou captar a cultura e os costumes da região para transmiti-los através de sua pintura. “Além dos aspectos técnicos que, na minha obra são a soma do cubismo, expressionismo e geométrico, tento criar uma linguagem estética que me permita expressar a riqueza e o colorido locais, para poder criar uma arte nativa, que tenha origens aqui. Antes minha pintura era muito escura, muito europeia”, define o artista. Há 14 anos, quando no primeiro contato com o Jornal do Sol, ele afirmou que, para ele, das três grandes etnias que formaram o povo baiano (índios, negros e europeus), a que predominou foi a cultura africana, que permaneceu forte na música, na comida, no colorido das roupas. “Isto me chamou muito a atenção e a etnia que mais está presente nos meus quadros é a negra”.

Há mais de uma década, ele dizia que a Bahia é um laboratório da nova raça humana, onde negro, ameríndio, asiático, europeu e outras etnias se fundem num sincretismo local. “A Bahia é um local onde costumes, etnias, religiões diferentes convivem em paz e equilíbrio harmônico. O resultado final desse panorama será o nascimento de uma nova raça”.

Seu primeiro contato com o mundo artístico, entretanto, não foi com a pintura, e sim, com a cerâmica. Aos 12 anos iniciou seu aprendizado em cerâmica, aperfeiçoado anos depois, na Escola de Artes Aplicadas, em Montevidéu. Só aos 21 anos é que começou a pintar, após ingressar no ateliê Maldonado, em Punta del Este, do artista Manoel Lima. “Partindo de objeto reais fazíamos naturezas-mortas, retratos a partir de figuras humanas e trabalhos fora do ateliê. Meu mestre nunca permitiu cópias através de fotos, porque considerava que cópia de foto não é, nunca foi e jamais será obra de arte. A arte deve levar implícita uma nova realidade, criando aquilo que ainda não existe. A obra de arte deve ser única”, ensina. Para Centurión, a arte não é uma técnica e sim um conjunto de conceitos estético e filosóficos. “Artista não é um indivíduo de fim de semana. É para a vida toda.”

Em Porto seguro, o artista ministrou aulas de cerâmica no Espaço Centro de Fé, Vida, Arte e Cultura, administrado por Ida Rosatelli. Alunos de diversas faixas etárias e níveis sociais aprenderam a fazer painéis cerâmicos de pequeno porte. “A ideia surgiu porque se fazia necessário um ateliê livre, onde pessoas poderiam assistir a aulas de artes plásticas.  O trabalho foi muito gratificante e conseguimos dar forma a uma ideia que hoje se mantém funcionando.

Artista revela pureza da alma infantil

Centurion revela a sensibilidade de alguém que aprendeu a ver nas coisas simples as maiores belezas que ainda se revelam. Começou pintando quadros que tinham a capoeira como tema. “Quando abri as portas do ateliê e tive contato direto com a rua, vi crianças brincando e pensei: - é esse o tema que tenho que pintar.”

O resultado não poderia ser melhor. Durante 15 dias, Centurión desenvolveu os desenhos que fariam parte de uma nova fase e reuniu pinturas numa exposição em Salvador, em 2004. “Foi um encontro casual entre uma situação geográfica e cultural. Eu senti naqueles meninos alguns aspectos que nós adultos tínhamos perdido há muitos anos: a inocência, a capacidade de compartilhar o pouco que temos, a ausência de egoísmo, o sentimento de tribo; e não diferenciar os outros pela roupa, pelo poder aquisitivo, raça e outros empecilhos que fazem o ser humano infeliz”, declarou.

O toque sobre a modernidade surge em tom de crítica. Em algumas obras, Centurión usou a técnica de colagem de artigos de jornais para falar de violência e prostituição infantil. Mas crianças jogando gude, peão, brincando de boneca, ioiô, pega-pega e cabra cega são imagens que povoam a maior parte de suas criações. “Eles brincam com garrafas de plástico encontradas na rua. Que coisa mais simples uma garrafa de plástico transformada num barco em dia de chuva. Enquanto isso, adultos poderão estar maldizendo a natureza. Eles fazem daquele fenômeno, um meio de serem felizes”, observou. “Eles não brincam com brinquedos eletrônicos porque não têm acesso, então brincam com pau, pedra, boneca de pano, gude. Não vivem a aculturação da Barbie, mas a realidade cultural regional nas mentes de meninos e meninas pobres e doces.”

Por Porto Seguro, Salvador e por outros países, como Estados Unidos, onde já foi representando o Brasil, ou recebendo títulos em Roma, na Itália, Centurión passa e deixa suas cores estampadas nas obras marcantes de coisas do cotidiano que muitas vezes esquecemos de olhar. O trabalho mais recente voltado para atividades socioeducativas é A Ponte Lúdica – Deu na Telha, que foi parte da programação da Semana de Museus em 2017, realizada nos museus Dimus/Ipac no Pelourinho – Museu Udo Knoff, Centro Cultural Solar Ferrão e Museu Tempostal. Em parceria com a artista plástica Gabriela Veloso Morais e a pedagoga Maria de Fátima da Costa Quentro, reuniu dois grupos de alunos de escolas do Centro Histórico de Salvador para uma reprodução de suas impressões sobre uma telha antiga reciclada, após visitação aos três museus. O trabalho foi encerrado com uma exposição das obras.