Major França: "o tráfico de drogas é a principal causa de mortes na cidade"


No comando do 8º BPM de Porto Seguro há mais de dois anos, o Major Anacleto França Silva, 46, natural de Salvador, defende a militarização da disciplina escolar e a aproximação da polícia com a comunidade. Do alto de sua experiência como bacharel e especialista em Segurança Pública, bacharel em Direito com conhecimento de Gerenciamento de Crises pela UFBA e Diretos Humanos pela Cruz Vermelha Internacional, tem à sua frente a missão de combater a violência numa cidade, em que segundo ele, os criminosos estão dispostos a disparar contra a polícia e onde se concentra o maior desafio no combate ao tráfico de drogas no interior da Bahia. De acordo com o Major, a maioria das vítimas de homicídios está direta ou indiretamente ligada ao crime. Ele fala ainda sobre as mortes resultantes dos confrontos entre policiais e bandidos, a falta de apoio psicológico aos policiais que enfrentam criminosos diariamente e aponta a impunidade como a mola mestra do aumento da criminalidade.

 

Fala-se muito sobre o alto índice de homicídios em Porto Seguro. Quais foram os número registrados em 2016 e 2017?

Mesmo tratando-se de mortes, como são dados, a estatística é muito seca. Este ano eu esperava, com algumas medidas que tomamos, um impacto maior em relação ao ano passado, mas nós tivemos um início de ano, de certa forma, conturbado em relação aos homicídios. Em 2016 tivemos a menor taxa de homicídios em Porto Seguro, nos últimos cinco anos. E aí, houve uma variação para mais no ano passado, por causa de uma chacina. Esse ano mantivemos o número, também em parte, por esse desajuste. Um claro enfrentamento de grupos criminosos. Uma ação que provoca várias ocorrências com mortes impacta nos números. Em 2016 foram 96 mortes e 2017 foram 104. Este ano não tivemos isso. Estamos com duas mortes a mais do que no ano passado, o que representa 7% a mais e isso causa admiração. No primeiro trimestre de 2018, foram registrados 41 homicídios.

Como a extensão do município influencia nesses dados?

O município é muito grande. A polícia não consegue, pela limitação que ela tem, dar profundidade ao policiamento em áreas remotas. Tem um homicídio em Sapirara, depois uma morte ocorre em Vera Cruz, depois uma ocorrência no Baianão, Parque Ecológico, por exemplo, e uma no Arraial. Termina não tendo um ponto, em tese, concentrado, que facilite a intervenção da polícia. Como o município é muito grande, acaba-se tendo um indicador de homicídio alto, mas pela complexidade que é a cidade. Se morre um em Trancoso, outro em Itaporanga, são extremos que a polícia não tem como determinar, na maioria das vezes, uma ação preventiva, que é o nosso caso.

Qual é o perfil dessas pessoas que estão morrendo?

Posso assegurar que a maioria esmagadora, mais de 70%, das pessoas que morrem, efetivamente tem ligação com o crime. Nós fizemos uma pesquisa entre 2014 e 2016, quando houve muitas mortes - esta cidade realmente sangra! -, e contabilizamos 360 mortes em três anos. 2016 foi um ano com o menor taxa de homicídio desde 2012. É de se notar que as pessoas que morrem aqui, em tese, a maioria tem envolvimento ou algum tipo de ligação, ainda que transversal, ainda que a família, ou que seja um usuário, ou que passe por uma desavença com o cara que praticou o crime, ou que tenha ligação indireta. Uma parte significativa desses tem antecedentes formais. Essas pessoas morrem, em Porto Seguro, por uma situação clara. Qual o meu objetivo com essa pesquisa? Dar um tratamento adequado. Isso é uma epidemia, passa por outras questões também, como a impunidade e o esclarecimento desses crimes. A taxa de elucidação dos crimes tem impacto sobre isso.

Como essa taxa de elucidação dos crimes tem impacto sobre os homicídios?

A impunidade é a mola mestra de todo crime. Uma amostra disso é a corrupção. O criminoso avalia a chance de dar certo. Se ele pratica um crime e a chance de ser preso é menor, ele pensa: “eu já matei e não deu nada, então posso fazer de novo”. Os dados levam à conclusão de que se essas pessoas morrem porque estão envolvidas com crime, não adianta somente impedir o homicídio, que é o crime mais grave no Código Penal. É o primeiro crime tipificado: “Matar alguém” e está no Artigo 121. Mas a morte, nesses casos, já é uma consequência. Não é a raiz. É a ponta do iceberg, o final de todo processo criminoso e está vinculado ao tráfico de drogas. O que leva ao homicídio? O tráfico de drogas. Então qual a alternativa? Não é enfrentar o homicida, tem que enfrentar o tráfico.

Como é, em Porto Seguro, o enfrentamento entre policiais e criminosos?

É um problema grave. Aqui é incomum. Tivemos esse ano, dois policiais, inclusive um da Caema, gravemente feridos. Não morreram porque Deus não quis. Você não encontra isso em nenhuma cidade do interior da Bahia. O nível de violência do criminoso, disposto a enfrentar a polícia, disparar contra a polícia, como é aqui. Se incluir a morte do sargento em Eunápolis, são três ocorrências em três meses. Morrer três policiais é um número altíssimo.

O número de confrontos resultando em morte tem aumentado?

Aqui têm se mantido estável. Na região, na Bahia, sinto que tem aumentado. A polícia está matando mais? Eu acho que, na Bahia, está. Por uma série de fatores. Na Semana Santa teve uma ocorrência em Anuri, perto de Camacan. Morreram cinco suspeitos numa ação policial. Antes disso, em Canavieiras, morreram quatro. Recentemente, em Teixeira de Freitas, morreram quatro. Outro dia, em Pindorama, com a Caema, foram três. Em outro dia, numa ocorrência nossa, outros três. Isso é um problema grave, além da pressão que acarreta para um homem. Não tem como determinar, para daqui a algum tempo, o que vai acontecer com este homem. É uma carga violentíssima. Não há nenhum fator psicológico auxiliar para essas ocorrências. O policial se envolve numa ocorrência com morte, o que é grave, faz todo um procedimento formal, se terminar o turno de serviço dele, ele vai para casa. Se for de manhã cedo, ele continua trabalhando. Não existe dentro da Polícia Militar da Bahia um protocolo médico ou psicológico para esse tipo de ocorrência.

Que tipo de procedimento poderia ser adotado com esses policiais?

A gente não sabe a carga que isso está gerando. Temos notado, no Brasil, muitos policiais cometendo suicídio, muito problema de depressão, alcoolismo, de família, separação, estresse familiar. Tem setores da corporação em Salvador, que se você precisar de um psicólogo, ela oferece, mas atua mais para a capital. Então não tem como atender a todos, porque o estado é muito grande. Eu penso que deveria existir um centro de observação, pelo menos. Porque na ocorrência policial com resultado morte toda ação é traumática. Você disparar, alguém disparar contra você, passar aquele medo de morrer. Se está vivo, você tem que pegar e socorrer. Tem sangue, hospital, e se morre, o policial vai ser ouvido sobre como foi a ocorrência, e ele se sente como se fosse um criminoso. Daí, ao meio-dia acaba tudo. Mas não existe nenhum protocolo.
Não há um amparo para esses traumas da atividade policial. Eu me preocupo muito com isso. E a mídia criou uma disputa, de glamourizar o criminoso e criminalizar o policial e a vítima, e que termina virando uma guerra. A polícia não deve entrar em guerra com o bandido. Ela deve cumprir a lei. Digo sempre aos policiais: você não é inimigo do criminoso. Você é policial e ele é bandido. Quando você for para casa, não tem que carregar consigo a raiva daquele criminoso. Esses confrontos no Rio de Janeiro, essas mortes se tornaram mais comuns. Daqui para a frente, essa geração mais nova vai trazer um impacto. Não sei que tipo de policial será formado no futuro. Mais frio.

Como o senhor tem trabalhado a prevenção do crime?

A prevenção tem três níveis: primária, secundária e terciária, segundo a criminologia. A primária atua no indivíduo. Educar, dar saúde, formar o cidadão para que ele não pratique crime, de qualquer ordem, especialmente, os violentos como morte, roubo. Como envolver a escola nisso? A escola vem para formar o cidadão, aquele que respeita o poder público que o instituiu, respeita a lei e a lei respeita o indivíduo. Mas isso só dá resultado em cerca de 30 anos, num programa bem desenvolvido como a China conseguiu fazer, e alguns países com outra formação espiritual e cultural. Mas o problema do crime no Brasil é tão grave que queremos respostas imediatas, e com razão. Aí vem a segunda forma de prevenção, que trata do ambiente.
O criminoso vê se vai dar certo. “Vou entrar ali, roubar, subir pelo muro e sair”. O lugar é escuro, deserto, não tem polícia, não pega celular. Mas se tem a polícia, mesmo em ambiente deflagrado, sujo, o criminoso não tem a oportunidade de fazer o crime. Essa é a prevenção secundária. É o que a polícia trabalha, fazendo blitz, prendendo criminosos, para que outras pessoas não pratiquem crimes. E a terceira forma de prevenção, é o criminoso que está no sistema carcerário, que deveria ser reeducado, o que é uma mentira! A lei estabelece a pena mínima, o que, na minha visão, quebra o conceito de ressocialização. Uns precisam de mais tempo que outros para se ressocializar. Essa história de que o preso vai ser ressocializado é conversa fiada. Pode pegar o número no mundo inteiro. A Inglaterra socializa 60% dos presos, no Brasil, segundos dados, 35%. Fiquei até surpreso com essa pesquisa, porque, para mim, não ressocializava ninguém.

E que ações a PM de Porto Seguro está fazendo hoje para prevenir o crime?

Nós fazemos a prevenção aumentando a presença da PM nas ruas, com patrulhamento, bloqueio, dentro desse conceito de prevenção secundária. No conceito de prevenção primária, de educação, buscamos interação com a comunidade, programa de prevenção de drogas, reunião através de conselhos comunitários. Agora vamos tentar militarizar uma escola em Santa Cruz Cabrália, recuperar a ideia da disciplina na escola. Não é militarização do ensino e sim, da disciplina. Porque nós queremos recuperar esse indivíduo que a gente prende hoje e daqui a pouco tem mais quatro. A criança quer modelo. Ela é do bem. Adolescentes, a maioria é do bem. Quantos deles querem ser polícia e não podem abrir a boca para dizer, senão morrem? Quantos queriam ser militares, do Exército, Aeronáutica ou Marinha? A polícia desperta na criança a figura do super-herói que defende e tem superpoder. Mas aí isso vai se deteriorando. Tem alguns que são ruins mesmo, de natureza ruim, mas não acredito que a maioria seja assim. É mesmo a miséria. Mas não podemos ficar com esse discurso. Criminosos de Porto Seguro estão assaltando banco, morreram sete outro dia em Minas Gerais. Temos que pelo menos frear a coisa. Em Porto Seguro a situação é muito mais difícil. Esse consumo de drogas aqui na cidade, não há nada igual no interior do estado.