Vera Liu

Uma mãe incansável na luta pela inclusão social

Aos 50 anos, Vera Lúcia Martins Liu - pedagoga, mestra e especialista em Educação Especial e de Surdos - é apaixonada pela vida e pelo trabalho que desenvolve, em favor da inclusão social das pessoas com deficiência. Com afinco e obstinação, ela está sempre em busca de mais conhecimento e informação que ajudem ela e sua equipe a cumprir a difícil, porém gratificante missão de contribuir para que muitas pessoas, que nasceram com algum tipo de deficiência, possam desenvolver suas habilidades e encontrar um lugar digno no seio da família e da sociedade. Casada, mãe de Daniel, Caroline e Danilo, Vera Liu é precursora de um trabalho na área de educação inclusiva em Porto Seguro, que hoje é referência e serve de exemplo para outros municípios. Com tanta dedicação aos cerca de 200 alunos que atende no Ceame, não teria nome melhor para receber essa homenagem no Mês das Mães.

Como e quando você chegou a Porto Seguro?

Cheguei em 1998. Como me casei com um militar da Aeronáutica, nós mudamos da Bahia e fomos para Minas Gerais. Perto da comemoração dos 500 anos, o aeroporto foi ampliado e abriram-se vagas para a Aeronáutica, que estava se instalando aqui. Como somos filhos da terra, vimos nisso uma oportunidade de voltar para casa, aqui pertinho. Ele já trabalhou nos aeroportos de Caravelas e Ilhéus. E fomos seguindo pelo Brasil. Chegando aqui, havia, no Colégio Municipal, o curso de Magistério. Então comecei a trabalhar como contratada coordenando os cursos, nos últimos anos do Magistério como ensino médio. Em 2000, fiz concurso como especialista de educação pelo município e passei. Fui trabalhar na escola César Borges, que na época era a Escola Nossa Senhora do Brasil, uma escola muito carente. Hoje já está com uma estrutura bem melhor, no bairro Campinho. Antes era ao lado da Igreja São Sebastião, onde funcionavam algumas salas. Deram-me a oportunidade de escolher o local onde eu queria trabalhar e optei por ir para lá, porque eu já gostava de trabalhar na escola mais carente, que tinha maiores necessidades. Naquela época, quando Dilza Reis veio a ser secretária, ela me convidou para fazer parte da Secretaria de Educação no setor de inclusão. Aceitei grande o desafio, era muita coisa para aprender, mas estamos aqui, fomos ampliando os conhecimentos.

Onde você passou a sua infância? 

Em Alcobaça, na beira da praia. De um lado o rio, do outro, o mar. Lugar pequeno em que você anda de pé no chão e encontra tudo ali, saindo na porta da rua: banco, supermercado, vizinhos, igreja.

Qual a sua formação acadêmica e onde você concluiu o ensino superior?

Concluí o ensino superior de pedagogia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e depois fiz pós-graduações e mestrados na área de educação lá e aqui.

Você tem algum parente ou pessoa próxima com alguma deficiência? 

Eu estava desenvolvendo uma pesquisa sobre excluídos, comecei a trabalhar com pessoas com deficiência, mas não sabia de ninguém na família com deficiência. Um tempo depois, descobri que tinha uma prima adolescente cujo filho tem paralisia cerebral.

Como foi a experiência de abraçar o trabalho com a educação inclusiva? 

Na época que Dilza me convidou, ela era minha colega de pós-graduação e colega de mestrado. Eu estava fazendo uma pesquisa sobre crianças que estavam sendo exploradas no trabalho e tinham dificuldade de aprendizagem na escola, devido à carga de trabalho. Graças a esta pesquisa sobre excluídos, alguém disse: “Fica você com o trabalho de inclusão”. Daí, eu falei que não tinha experiência na área. E me disseram: “Não tem problema, a gente dá uma equipe e condições de trabalho”. Então foi assim que a gente começou, buscando cursos do MEC em Salvador e onde podíamos, investindo pessoalmente na formação. A gente começou a fazer um trabalho que ninguém queria, e ninguém se sentia apto para fazer. Começamos aprendendo e continuamos aprendendo. A Secretaria de Educação estava montando os setores, dentre eles, o de inclusão. Era uma década pós Constituição, década de 90, quando começou a se falar de movimento inclusivo. Quando o assunto chegou aqui, já se falava nisso há 10 anos. Algum “sem noção” tinha que aceitar o desafio (risos). E o maior desafio continua sendo aprender a cada dia. As doenças, antigamente, eram umas e depois vieram outras. As deficiências também. Atualmente, há diagnósticos que não tinham antigamente. Hoje, já sabemos o diagnóstico de dislexia, autismo, síndrome de Down (este último, mais visível). Montamos a proposta de Centro de Atendimento no início da gestão de Abade. Começamos na Secretaria de Educação com um setor que fazia um trabalho itinerante nas escolas. Na época, havia salas especiais e também já não davam conta da demanda. Sentimos que precisava ter um centro de atendimento, para que essas pessoas viessem e a gente conseguisse atender uma demanda maior. Montamos a proposta, foi aceita. O Ceame tem seis anos. Hoje estamos em um espaço maior, com piscina, auditório e salas. Então ampliamos para outras especialidades, porque havíamos começado só com as pedagogas. Enviamos uma professora para se especializar em Braille, outra em surdos. À medida que chegavam alunos, a gente corria para aprender. Hoje temos especialista em Braille, em Libras, musicoterapeuta, duas fonoaudiólogas, dois psicólogos, professor de natação, psicopedagoga, um especialista em Síndrome de Down, uma especialista em autismo, uma profissional que trabalha a inclusão no Projeto Arte Mãe (com as mães dos alunos); além de estrutura de escola, com diretora, vice-diretora, coordenadora, secretária, auxiliares de cozinha e limpeza e um vigia.

Quais são as maiores dificuldades para desenvolver seu trabalho junto ao Ceame? 

A falta de informação. Muitas escolas, por mais que as pessoas se especializem, ainda não têm muita informação sobre as deficiências. Os pais recebem do médico o diagnóstico e se sentem perdidos, sem informação. O preconceito é outra dificuldade. Tem escolas regulares que antes de saber que o que o aluno tem, já diz que só vai receber se tiver auxiliar. A estrutura de algumas escolas ainda não é adequada, isso é geral no Brasil. Temos visto isso em outros municípios. O aluno especial demanda mais recursos, mais espaço. Existe uma lei que ampara, mas há muito a ser melhorado em relação à informação, a espaço físico da escola. No Ceame a gente não atende bebês porque não há uma sala de estimulação precoce. Mesmo assim, o pessoal de outras cidades, onde não há um centro com esse, fica encantado. Mas tem muita coisa para fazer. Precisamos de mais informação, inclusive para os pais e de mais profissionais e mais capacitação para os professores. 

E a maior recompensa?

Quando uma mãe diz que o filho deixou de tomar remédio antidepressivo porque começou a participar das atividades da escola, do atendimento, não tem dinheiro que pague. Quando ela diz que o filho está dormindo melhor, que está mais feliz. Hoje temos um projeto em que as mães, enquanto esperam o filho no Ceame, participam do Projeto Arte Mãe. Elas aprendem a fazer caixas, panos de prato, flores, coisas de arte. E tem mãe sobrevivendo com isso.  

Quais os principais obstáculos encontrados por uma pessoa com deficiência para ter uma vida normal?

A falta de acessibilidade e o preconceito.

É verdade que quanto a pessoa tem alguma limitação ela desenvolve outras habilidades mais que as outras pessoas? 

Acontece uma estimulação maior. Quem não escuta vai desenvolver a percepção, a atenção, a acuidade visual maior. Pelo fato de não estar ouvindo, então ela canalizou sua atenção maior no visual. Isso não porque desenvolve biologicamente melhor o outro, mas é porque foi treinado. Se ele não treinar, fica uma pessoa deficiente em casa, que não tem essas habilidades todas. Por exemplo, andar de bengala na rua precisa ser aprendido. É uma técnica que a gente trabalha, a localização da casa dele para o Ceame, para a escola, para o banco. Todo lugar novo aonde ele quer ir, primeiro vem aqui para ajudar a se orientar. Ele faz um mapa mental e se localiza. Aquele que é mais esperto ou tem mais escolaridade sempre tem mais facilidade. E o mais retraído tem mais dificuldade. É como um músico, ele treina o ouvido para escutar o som, além de ter habilidades com a música. O surdo não ouve, mas a linguagem de sinais é visual e gestual. Então ele é atento a tudo.

Como as famílias encaram a experiência de ter um filho com alguma deficiência? 

Os médicos chamam o primeiro momento dos pais de momento de luto. É quando os pais recebem o diagnóstico do filho com deficiência; é um período que tem que ser respeitado porque todo pai pensa num filho saudável, maravilhoso, que vai nascer, crescer, correr, trabalhar, casar, ter filhos. No momento em que o médico fala: “Seu filho tem uma deficiência”, caem por terra todos os sonhos, os projetos de vida, a perpetuação. Então surgem o medo do sofrimento, do preconceito, o antigo conceito de que a deficiência é um carma, algum pecado que a família está pagando e a culpa. As famílias sofrem muito e precisam de ajuda. As mães, às vezes não podem trabalhar, porque os filhos precisam de cuidados especiais e ficam sobrecarregadas e necessitadas. Depois, com ajuda, com psicólogo, com boa informação de médicos, passam a aceitar, a buscar ajuda. Mas o primeiro momento é muito difícil, principalmente se a mãe for muito novinha. Mãe adolescente às vezes não dá conta, larga o filho com a avó e vai embora. Se for um casal novinho, se separam. Ele larga e vai embora ou ela faz isso e deixa o filho com os pais. Tem muitas famílias que não dão conta dessa estrutura porque falta um apoio emocional. Mas as mães que passam por esse período relatam coisas maravilhosas, de presente na vida delas, de os filhos serem amorosos e realmente pessoas especiais.

Nascer com uma deficiência é limitação para se alcançar a felicidade?

É possível ser feliz sim! Na verdade, atualmente existe um outro conceito de deficiência, em que 50% da deficiência se deve à falta de alguma coisa na pessoa, a visão, a audição, etc; e 50% está na sociedade, que não é acessível. Se a sociedade se torna acessível, se a pessoa com deficiência tiver uma cadeira adaptada, um carro com o qual pode ir à escola, trabalho, cinema, adaptado para a necessidade dele, ele pode se sentir útil, produtivo, e isso terá diminuído sua deficiência pela metade. Ele pode ir e vir. Teve o estudo, a oportunidade de trabalho, o acesso à informação, então ele vai ser feliz sim. Estamos caminhando para a acessibilidade nas escolas, nas cotas obrigatórias de vagas de emprego para pessoas com deficiência. Mas isso envolve mais, a estrutura da cidade, calçadas com rampas, a família assistida, medicamentos e consultas disponíveis, ônibus com elevador. Eles aprendem a ser felizes naquilo em que têm possibilidades.

que falta para Porto Seguro oferecer uma qualidade de vida melhor para as pessoas deficientes? 

Mais informação nas escolas, para as pessoas em geral e mais acessibilidade. A gente tem uma equipe comprometida e, graças a Deus, a gestão que vai chegando vai valorizando o trabalho. De alguma forma, enxergou o aluno que está precisando. A equipe faz mais do que o papel de educador. A gente vai para casa sempre pensando no que poderíamos fazer de melhor para os alunos. A gente representa uma voz dessa mãe que não tem escolaridade, a gente pode ir lá e cobrar uma assistência, o passe livre.  A gente não trabalha sozinho. Temos pessoas encaminhadas por médicos, pelo INSS, que são nossos parceiros. Estendo uma homenagem no dia das mães para todas as minhas colegas de trabalho que são mães, que às vezes, carregam uma carga de problemas familiares também, mas abraçam seu trabalho com amor e zelo.  Cada uma tem a sua parcela de colaboração.


Jogo Rápido 

Signo: leão

Um hobby: nadar, dançar

Um cantor: Vinicius de Morais e Gonzaguinha

Um livro: “Bem Hur” e “Abre os olhos que eu quero ver”, sobre autismo

Um prato predileto: camarão

Uma bebida: vinho

Um lugar especial em Porto Seguro: Um luau na beira da praia é perfeito, mas a minha rede, no meu jardim, vendo a lua, também é perfeito.

Um lugar especial fora de Porto Seguro: Minha terra natal, Alcobaça

Uma personalidade da cidade: têm pessoas que admiro muito, como Cecília Nakamura, prof. Vitória Alda, dona Ide, voluntária do Clube da amizade. São vários bons exemplos.

Ser especial é: acreditar no ser humano e fazer a sua parte

Ser normal é: aceitar o outro

O seu trabalho é: importante, necessário, mas é pouco diante da grande demanda. Ainda podemos fazer ainda mais

O preconceito é: o mal do mundo

Uma alegria: meus filhos

Um orgulho: meus filhos

Um agradecimento: a Deus

Uma lição: minha mãe, que não teve escolaridade e estudou depois de adulta, tem 85 anos e gosta de sair. Ela me ensinou que caráter é a principal coisa. Que você tem que trabalhar e ganhar pelo suor do seu rosto.

Um sonho: ter os filhos encaminhados e andar descalça na praia, poder curtir a aposentadoria

Uma qualidade sua: sou sincera, amiga, companheira

Um defeito: falo demais e às vezes exijo que a pessoa se dê da mesma forma como me dou.

Como você se define: alegre, amorosa, apaixonada pela vida

Felicidade é:  estar com as pessoas que a gente ama