Editorial edição 402

Para os turistas desavisados que sofrem o assédio constante de ambulantes nas praias de Porto Seguro, o surgimento de periquitos coloridos pousados sobre pulseirinhas de búzios geralmente são motivo de encantamento. Alguns apenas olham, muitos pedem para tirar fotos segurando os bichinhos, outros compram os artesanatos, baratinhos, e outros pagam pelas aves, mesmo sem saber o que fazer com elas ao sair da praia. Periquitos bonitinhos, porém pintados artificialmente, de asas cortadas para não voarem, sem água ou alimento, o dia inteiro, sob o sol escaldante.

Mais grave ainda que a situação de maus tratos a que são submetidas essas espécies da fauna, é o universo cruel daqueles que estão do outro lado daquele bastão enorme, cheio de pulseirinhas. Geralmente são crianças, indígenas, sujeitas à exploração de outros adultos, sem proteção contra o sol forte, muitas vezes perambulando pelas areias o dia inteiro, tentando levantar um trocado e correndo o risco de serem usadas e abusadas por adultos inescrupulosos.

A exploração do trabalho infantil em Porto Seguro é uma situação muito mais grave do que se pode imaginar, porque ocorre muitas vezes dentro das próprias casas, longe dos olhos da sociedade e das entidades de proteção às crianças e adolescentes. Pesquisas desenvolvidas por entidades como o Instituto Mãe Terra revelam condições desumanas às quais meninos e meninas são submetidos, semelhantes ao trabalho escravo. Pelo estudo, de uma amostra de 1.165 crianças, 40,04%, ou seja, 468 crianças de 6 a 11 anos declararam ou demonstraram estar em situação de trabalho infantil.

O comércio, segundo o relatório, é uma das cinco atividades que ocupam essas crianças, juntamente com a construção civil, trabalho doméstico e agricultura. São dados que o poder público ignora, considerando apenas 30 famílias nessa condição. Enquanto isso, pais relatam que chegam a uma escola municipal para deixar o filho antes de trabalhar, e o porteiro alerta que não poderá receber a criança, porque a professora ainda não avisou se irá comparecer naquele dia. Na mesma cidade onde creches são inauguradas e acabam destruídas por vândalos e pela ação do tempo. São baldes de água fria na esperança de um futuro mais digno e promissor para crianças e adolescentes, pelas portas da educação.