Como fica o Airbnb após o julgamento do STJ?

No artigo abaixo, a advogada Marina Amari aborda peculiaridades e questionamentos do Airbnb, configurado como "contrato atípico de hospedagem".

A qualificação do contrato Airbnb emergiu como um debate intrigante. Seria locação por temporada? Hospedagem? Ou um contrato atípico? Algumas peculiaridades do Airbnb suscitam questionamentos dessa ordem. É comum que o imóvel seja reformado para suportar mais pessoas, e que haja uma alta rotatividade em razão das sequenciais contratações da plataforma.

O Airbnb adentra o que se tem chamado de economia colaborativa. Novas formas negociais são criadas e ofertadas ao público no intuito de facilitar o acesso ao serviço e englobar diferentes estratos. O uso do imóvel costuma se dar em um curto período de tempo e podem ou não ser convencionados serviços auxiliares, como internet, lavanderia, alimentação, e assim por diante. Em outro vértice, também existem situações em que o imóvel é ofertado por vários meses e que serviços adicionais não estão incluídos.

No final de abril, no julgamento de um Recurso Especial impetrado por um condomínio do Rio Grande do Sul, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), entendeu que o Airbnb configura “contrato atípico de hospedagem”, e que os condomínios residenciais poderiam impedir o uso dos imóveis para esse fim. Antes disso, havia quem acreditasse que se trataria de locação por temporada, pois não teria a remuneração o condão de conferir o caráter de hospedagem.

Em outra vertente, os defensores da qualificação pela hospedagem, geralmente contrários à possibilidade de utilização da plataforma em condomínios residenciais, argumentavam que a característica emergiria da curta duração do contrato, bem como dos serviços ofertados pela plataforma, aptos a atrair o caráter comercial da atividade.

A princípio, tais contratos são regulados pelas normas gerais sobre obrigações e contratos dispostas no Código Civil. Dessa forma, não há qualquer óbice ao reconhecimento de que o Airbnb configura contrato atípico, puro e simplesmente.

O cuidado é necessário em razão das diferentes consequências jurídicas a serem tomadas pelo intérprete ante à lacuna legislativa sobre o tema. Se compreendido o Airbnb como hospedagem, forçoso crer pela aplicação da legislação sobre o contrato, conforme acima mencionado. Todavia, se compreendido que o Airbnb é locação por temporada, adotam-se os dispositivos existentes na legislação do inquilinato sobre essa modalidade, fato que pode impactar a interpretação de que os condomínios poderiam proibir a atividade.

Vale destacar, inclusive, que a curta duração dos contratos de locação por temporada não afasta, por si só, o argumento de que não seria possível qualificar o Airbnb dessa forma, dado que a Lei de Locações prevê apenas um prazo não superior a 90 dias, sem que haja vinculação a um mínimo temporal.

Muito embora a decisão do STJ não tenha sido proferida em caráter vinculante, abriu-se o caminho para que as convenções de condomínio possam afastar a utilização das unidades para tal fim de maneira expressa. Decisões em sentido semelhante já podem ser vistas, por exemplo, nos tribunais de São Paulo e do Paraná[1].

Não se pode deixar de considerar, contudo, que tal julgado foi prolatado em um contexto muito especifico, sendo inadequado afirmar peremptoriamente que o Airbnb está proibido nos condomínios, com exceção dos casos em que há estipulação condominial nesse sentido. Não se deve perder de vista, também, que as particularidades do caso concreto, como acima mencionado, exigem uma acurada análise a respeito do Airbnb, sendo conveniente não adotar tal premissa sem ponderada análise.


Por Marina Amari, mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná, advogada no escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associado

[1] TJPR - 9ª C.Cível - 0000515-50.2019.8.16.0001 - Curitiba -  Rel.: Des. Domingos José Perfetto -  J. 20.05.2021; TJSP, Apelação Cível 1057128-88.2019.8.26.0100; Rel. Des.: Francisco Occhiuto Júnior; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 26ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/05/2021; Data de Registro: 04/05/2021.

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