Ativistas de parto humanizado defendem estrutura especial para gestantes

Em tempos de pandemia, o Coletivo Parto Seguro, fundado em 2017, em Porto Seguro, reivindica melhores condições de atendimento para parturientes e defendem a criação de um espaço preparado especialmente para elas. O movimento, formado por mulheres, mães, enfermeiras, doulas e ativistas do parto humanizado no extremo-sul da Bahia, afirma que tem recebido reclamações sobre o protocolo adotado em decorrência da Covid-19, que limita às gestantes o direito ao acompanhante garantido na Lei Federal 11.108/2005. A medida reduz a circulação de pessoas em ambiente hospitalar e o contato entre elas.

Para Jean Cristina, enfermeira, professora do IFBA e ativista, o poder público deve priorizar e dar agilidade a esse projeto. “É urgente que seja viabilizado um espaço público adequado para as gestantes nesse contexto de pandemia. As mulheres pobres, negras e com nível de escolaridade mais baixo, sobretudo, ficam à mercê das piores condições e da violência obstétrica. Agora, além de todas essas violações praticadas corriqueiramente, estão expostas ao risco de contaminação pelo Covid 19. É inaceitável”.

Segundo integrantes do coletivo, acompanhantes tem sido barradas na porta do Hospital Luís Eduardo Magalhães, referência regional para o atendimento aos pacientes de coronavírus, único serviço de saúde pública com atendimento a partos normais no município, e ainda referência para atendimento a gestantes de alto risco de toda a região. Maria, uma das gestantes, estava determinada a fugir diante desse problema, mesmo estando às portas da maternidade para o seu primeiro parto. Numa gestação de risco, ela foi convencida por sua doula Rita Santana a entrar. Uma situação difícil para ambas. À doula, restou se juntar a outras acompanhantes para, do lado de fora, aguardar notícias sobre os partos que não puderam assistir.

O protocolo fez com que Rita questionasse: “Será que quando você priva uma gestante do direito ao acompanhante, mas a coloca no mesmo hospital que recebe pacientes com suspeitas e com casos confirmados de Covid-19 da região, realmente está protegendo essa mulher?” O Coletivo Parto Seguro acredita que a retirada do direito a um acompanhante durante o pré-parto e o parto não são medidas eficientes neste momento de pandemia. Para elas, ao retirar esse direito, já tão pouco respeitado, a instituição atinge diretamente as mulheres mais vulneráveis, as pobres, negras, moradoras da periferia, com baixa escolaridade. O movimento exige a disponibilização de outra estrutura específica para atender as gestantes e evitar que elas sejam expostas ao Covid-19 no hospital.

“O que nos deixa mais indignadas é que essa situação já poderia estar resolvida. Em 2019, após muita mobilização, foi aprovada pelas redes municipais de saúde de Porto Seguro e Eunápolis, a construção de um Centro de Parto Natural (CNP) em ambos municípios, para atender aos partos de baixo-risco. Mais de um ano depois, não há nem sinal da construção dessas estruturas que seriam as mais apropriados para receber as gestantes e evitar a contaminação”, dizem as ativistas.

Nota da Secretaria de Saúde

Em 29/05/20, a Secretaria Municipal de Saúde emitiu nota informando que desde 2011 desenvolve ações e serviços para implantação da rede de Atenção à Saúde Materna e Infantil, que garanta acesso, acolhimento e resolutividade na redução mortalidade de mães e bebês. Afirma que em 2017 apresentou o plano da Rede Cegonha e executa ações de melhoria e cumprimento das metas e indicadores como redução de partos em gestantes com idades entre 10 e 19 anos, ampliação do planejamento familiar e uso de métodos contraceptivos, marcação imediata de consultas pré-natal, acesso ampliado ao pré-natal  para gestantes de risco, captação de gestantes por meio de agentes comunitários, tratamento da gestante e do companheiro, exames de ultrassom obstétrica, morfológica e com doppler.

Referente à responsabilidade dos partos de risco habitual e a construção, implantação e funcionamento do Centro de Parto Normal, a SMS afirma que isto faz parte das metas, com prazo de execução até 2021 mas cita entreves de ordem financeira, alegando ser "necessário articular, através de emenda parlamentar, para alocação de recursos financeiros”. Afirma ainda que a prefeitura tem o terreno adequado às normas, projeto arquitetônico e planejamento orçamentário de recursos humanos e insumos; e que com a pandemia, as atividades referentes a essa questão foram interrompidas temporariamente.

Nova contestação

O Coletivo Parto Seguro contestou a nota e afirmou que “não responde às principais reivindicações para que as gestantes sejam tratadas com o cuidado exigido nesse contexto de pandemia de Covid-19...”  O coletivo cobra aceleração da construção da Casa de Parto Normal (CPN) e questiona se “a pandemia não deveria ser justamente o principal motivo para que o poder público dê celeridade a essa obra que pode salvar a vida de gestantes e recém-nascidos, evitando que tenham que recorrer ao Hospital Regional Deputado Luis Eduardo Magalhães”.

Cobram ainda a alteração do fluxo das gestantes durante a pandemia, direcionando-as a outros serviços, alegando que “o HRDLEM se encontra esgotado no uso de sua capacidade máxima de leitos de UTI para atendimento de pacientes com Covid-19. E, mesmo assim, a imensa maioria de mulheres de Porto Seguro só tem esse serviço como referência para suas demandas de urgências ginecológicas e obstétricas. Não há atendimento especializado em UPAS e a Atenção Básica funciona apenas até as 14h”, reclamam. O coletivo defende que “é urgente a necessidade de dotar as UPAS de ginecologista/obstetra para atender as demandas de risco habitual, encaminhando para o HRDLEM as mulheres que precisem de atendimento de alto risco. E ainda que é necessário “respeitar o direito ao acompanhante durante toda a assistência à gestante e puérpera garantido pela Lei Federal 11.108/2005”.

Para a ativista e enfermeira Caroline Duarte, pesquisadora do tema Violência Obstétrica, o direito ao acompanhante é fundamental e, independente do contexto, deve ser respeitado. “Historicamente as mulheres sempre pariram acompanhadas por outras mulheres e mais recentemente alguns pais têm participado desse momento do nascimento dos filhos. A condição de parir é uma condição especial e requer cuidados específicos. O acompanhante que a mulher escolhe para esse momento carrega em si um poder terapêutico que contribui muito para os desfechos do nascimento, uma vez que a mulher necessita de muita empatia e confiança durante seu trabalho de parto, no parto e no puerpério”.