“Existe uma pressão muito grande, uma ação do homem no sentido de destruir, de deteriorar todo o nosso sistema hídrico. Tem que se ter muito cuidado, fazer campanhas, porque se continuar da forma como está em pouco tempo teremos racionamento de água”. Quem faz alerta é o promotor de Cidadania, Defesa do Consumidor e Meio Ambiente de Porto Seguro, Wallace Carvalho. Nessa entrevista exclusiva, ele trata ainda de assuntos inquietantes como o vencimento dos contratos de concessão do município com a Embasa e o serviço de travessia das balsas; o transporte clandestino; as invasões, desmatamentos, construções irregulares e outros crimes cometidos contra o meio ambiente e os rios que abastecem a região, que a cada dia escrevem a crônica de uma morte a anunciada.
A concessão da Embasa para atuação na cidade está vencida. Como fica isso do ponto de vista jurídico?
A Embasa é uma concessionária que presta um serviço caro e ruim. Desde que estou aqui, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente fez umas cinco ou seis autuações de multas contra a Embasa, em razão dos extravasamentos que a gente costumeiramente vê e ouve. Existem três ações civis públicas propostas pelo Ministério Público no sentido de aplicar multas e determinar a recuperação de áreas degradadas pela Embasa. O contrato venceu, mas quem licitou e é o fiscalizador dos contratos de concessão é o município de Porto Seguro. Então, ele deveria fiscalizar esse contrato e cobrar da Embasa os danos que ela causa ao meio ambiente, mas em momento algum você vê uma ação do município no sentido de cobrar isso judicialmente. O município deveria, bem antes do prazo da concessão expirar, iniciar uma nova licitação para que a Embasa ou outro órgão viesse a participar, mas não fez. E está fazendo uma licitação para um estudo de viabilidade, prorrogando o contrato com a Embasa. Parece que o município de Porto Seguro tem uma certa preguiça no sentido de licitar.
Esse contrato de prorrogação é irregular?
Não é irregular, porque se o município prorroga, em situações excepcionais; enquanto a Embasa estiver executando o serviço, é legal. Mas o esgoto está subdimensionado, a população da cidade cresceu e as estações elevatórias de tratamento de esgoto e estações de tratamento de água não conseguem acompanhar a vazão dos resíduos que são produzidos pelas residências e isso é uma situação que tem que ser equacionada. As estações também não estão equipadas com geradores, tanto é que toda vez que ocorre a falta de energia, acaba acontecendo o vazamento em várias dessas estações elevatórias. O sistema tem que ser atualizado, modernizado, dimensionado para a população atual de Porto Seguro. O que está aí é insuficiente para atender as demandas do nosso município.
O que a prefeitura deveria fazer?
A gente tem cobrado do município a realização de licitação, tem cobrado a punição da Embasa. Eu fiz a minha parte, ingressei com ações contra a Embasa e ela vai pagar em juízo multas milionárias. As multas judiciais, mais dia, menos dia, a Embasa vai ter que pagar. Agora, o município, que poderia explorar o serviço e o concedeu a um terceiro, tem que impor penalidades se o serviço não for realizado a contento e a gente não vê isso aqui. Pelo contrário, o município de Porto Seguro é muito leniente, é muito omisso. Tem que punir, fiscalizar, cobrar adequação dos seus concessionários.
Corremos o risco de enfrentar uma crise hídrica?
O relato que nos foi passado pela Embasa é preocupante, porque temos 23 municípios e distritos da nossa região, de Itapebi para baixo, que estão sofrendo com a crise hídrica, como Guaratinga, Prado, Itabatã, Itanhém. Em Vera Cruz já está faltando água. E Porto Seguro não vai demorar muito a passar pelo problema. A partir do dia 19 até 21 desse mês vamos fazer várias fiscalizações para coibir o barramento ilegal, a captação ilegal, esse desmatamento que vem ocorrendo incessantemente, diuturnamente no rio da Vila; as ocupações das associações de áreas públicas e áreas localizadas ao longo do rio; a construção do anel viário, que infelizmente acabou causando alguns impactos ambientais no rio dos Mangues. Existe uma pressão muito grande, uma ação do homem no sentido de destruir, de deteriorar todo o nosso sistema hídrico e parece que a comunidade de Porto Seguro não está alerta a isso. Tem que se ter muito cuidado, fazer campanhas, porque se continuar da forma como está em pouco tempo teremos racionamento de água.
Que impactos a construção do anel viário está tendo no rio dos Mangues?
Na transposição, houve uma canalização e um aterramento a mais do que deveria e esse aterramento acabou escoando para o leito do rio. Vamos apurar se esse aterramento foi decorrente da ação da empresa, e se foi, ela será responsabilizada e obrigada a restabelecer o que havia antes.
A prefeitura se comprometeu a retirar essas invasões? O que ela tem feito nesse sentido?
Nada. Nenhuma ação e vai ser responsabilizada por isso. Vamos ingressar com ações contra o município e contra os construtores ilegais e as construções irregulares terão que ser demolidas. O município parece que não se preocupa com a invasão do seu patrimônio. Em 2013 houve ocupação de terrenos na Vila Valdete, com construção inclusive de igrejas. Não houve nenhuma ação da prefeitura, mas do próprio Ministério Público pela demolição dessas estruturas.
A prefeitura pode ser responsabilizada por omissão?
Existe uma ação proposta pelo Ministério Público contra o município e o Projeto Mangabeira, que foi instalado de forma ilegal nas margens do rio dos Mangues. Houve desmatamento e queimadas incessantes, que já comprometeram uma área razoável ao longo desse trecho e tanto a Associação quanto o município foram acionados na ação civil pública.
As Vilas Valdete e Parracho impactam o rio dos Mangues?
Tem impacto direto, porque o escoamento das águas que vertem da Vila Valdete vai diretamente para o rio dos Mangues. Se não tiver projeto no sentido de fazer os escoamentos de forma legal, o rio receberá uma vazão muito grande da enxurrada, dos detritos dessas construções. Temos que progredir, mas de forma sustentável, usar a tecnologia, as melhores soluções socioambientais na implantação desses projetos.
O contrato de concessão para exploração da travessia das balsas também já venceu. Existe alguma ação do MP nesse sentido?
O município sabia do prazo de expiração da validade desse contrato e não foi feita a abertura de uma licitação nos meses que antecederam à extinção. Foi feito pelo município um estudo de viabilidade dessas balsas que estão aí, que demorou seis meses para ser concluído. Nesse intervalo nós fizemos a audiência pública, onde a comunidade ficou sabendo que era pretensão do município de Porto Seguro realizar uma licitação, prevendo uma obra do lado de cá, com desapropriações de áreas no local de embarque e balsas diferentes passariam a operar no nosso município. A comunidade de antemão reconheceu que o problema não é no rio, não é na água, mas no embarque, tanto é que no verão as filas de carro se acumulam em terra. Hoje, como está? Houve uma recomendação do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado para que o município não fizesse a licitação nos moldes que eles queriam, que era licitação por outorga. Normalmente a licitação é por menor preço, por tarifa, assim aqueles que querem explorar o serviço apresentam as suas propostas e quem tiver a melhor tarifa e melhor qualidade na prestação do serviço é escolhido.
Qual a desvantagem dessa licitação por outorga?
Essa licitação por outorga diz o seguinte: aquele licitante que der mais dinheiro ao município é que ganha. Essa modalidade é muito criticada no nosso ordenamento jurídico, porque você acaba tirando do certame proponentes que poderiam fornecer um bom serviço, mas que não têm condições econômico-financeiras de ofertar o que o município está pedindo naquele momento. O que o MPF e MPE entenderam? Tendo em vista que o nosso problema de balsa não é no rio, mas no embarque, então temos que fazer não uma licitação, mas autorizar esse serviço para qualquer operador - esses que estão aí ou outros que apareçam - e melhorar o serviço de embarque e desembarque. A licitação não houve até o presente momento e existe um projeto de lei do município de Porto Seguro que está comigo e não foi enviado à Câmara Municipal, por conta dessa recomendação. Iremos promover reunião com o município, aqui na sede do MP, para concluirmos essa questão.
Como o MP avalia a questão do transporte clandestino na cidade?
No ano passado foi planejada uma ação civil pública, proposta pelo Ministério Público, contra duas associações e uma cooperativa que exploram o serviço de transporte clandestino. Nessa ação, o MP pediu a paralisação dos serviços e a atuação do município. O juiz determinou, deu uma liminar, só que o órgão competente para fiscalizar, para coibir, para proceder ao cumprimento da ordem judicial é o município de Porto Seguro, através da Secretaria de Trânsito e Serviços Públicos. Existe uma lei que determina que o município, através da secretaria própria, irá fiscalizar, projetar, proceder as apreensões, as condicionantes, as limitações do serviço de transporte público. De modo que o município não tem cumprido a determinação judicial, não tem cumprido essa lei.
Quais as demandas que mais preocupam a promotoria?
Minha Promotoria é Ambiental, Saúde, Consumidor, a gente tem muitas demandas. Ontem (13/01/16), por exemplo, estávamos reunidos com o Inema, Embasa, Secretaria Municipal de Obras, Secretaria Municipal do Meio Ambiente e CIPPA para tratar de assunto palpitante. A região já começa a sofrer a crise hídrica, a falta de água. O distrito de Vera Cruz tem dia que não tem água. Em razão das poucas chuvas, em razão de construção de várias barragens ilegais, a captação de água de várias bombas que são colocadas ao longo dos rios que abastecem o município, sem autorização, vai comprometer o nosso abastecimento em pouco tempo. A reunião foi bem tensa, bem preocupante, porque sabemos que a comunidade não tem o cuidado de preservar o meio ambiente. Pelo contrário, o que vemos são invasões, desmatamento nas matas ciliares do rio dos Mangues, construção de casas ilegais nas encostas desse rio, poluição desse rio, que é o rio que nos abastece. Em momento algum eu vejo o cidadão de Porto Seguro preocupado com o seu futuro.